18/11/2004

José António Camacho


A primeira imagem que me surge sempre é a de um tipo anafado com uma mancha na camisa em cada sovaco a chegar quase à cintura. A cara molhada de suor, como se fosse ele que andasse a correr e não os jogadores da selecção espanhola. A gravata sufocava-o desde os primeiros gestos enérgicos à beira da apoplexia e o pano peitoral nunca voltava das cabines para o segundo tempo. Naquele calor asiático, um novo marco na minha história pessoal de adepto de futebol: a Espanha foi roubada à grande e à coreana, como nunca tinha visto nenhuma selecção ser antes.
A imagem que vem a seguir, quando me lembro de José António Camacho, é já em Portugal. Sempre com uma energia surpreendente, o reportório de indicações para o campo do antigo capitão e treinador do Real Madrid resumia-se a três gestos. O corpo ligeiramente dobrado, um pé direito fincado com vigor no chão à frente do outro, as mão fazendo "lá, cá, lá, cá" , sem uma palavra, usando os olhos muito abertos na direcção de alguém especifico e a gravata, sempre a gravata, a esvoaçar num movimento de solidariedade com as mãos. Logo a seguir, o segundo gesto, num pôr de peito (e inevitável barriga) para fora, mãos esticadas ao longo do corpo de palmas viradas para fora, numa espécie de "tás a perceber?" quase desesperado. Por último, e sempre em sequência, Camacho dando as costas ao jogo levantando os braços e deixando-os cair contra o flancos do corpo, encolhendo os ombros numa aceitação de "não sei mais o que hei-de fazer" ou, pensando melhor, talvez num "não percebo nada do que se está a passar na cabeça dos gajos" ou, ainda num "não percebo nada disto".
Camacho era assim: um tipo regular e estável nas suas irritações, Um conservador nato e um espanhol de convicções fortes. Gostou do Zahovic e não gostou do Roger. Adorava aquele seu 4-4-2 ofensivo e detestava invenções. A ideia de substituição atrapalhava-o e a equipa ficava sempre a perder com a sua desorientação. Aposto que se fosse benfiquista teria feito uma campanha enorme para que o antigo Estádio da Luz não tivesse sido destruído.
O tipo era um camarada para quem tudo estava sempre bem. Chegou sem referências de jeito. Saiu do Benfica com a maior estrela do seu fraco currículo, ao ponto de ir directamente para chefe de galáxia.
Nenhum benfiquista tem, apesar de Camacho ser um tipo fixe a quem tudo se desculpava (mesmo o não saber mexer numa equipa de futebol), saudades do espanhol. Até ao dia em que Trapp caía com força e faça disparar os maus fígados repentistas dos benfiquistas, conhecidos mundialmente por em meia-hora tornarem um deus num desgraçado a quem se quer cortar a cabeça. Se Trapp não resistir a uma ou duas más exibições 'a la Anderlecht', como bom benfiquista, aí terei saudades de Camacho.

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